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Temas transversais

Meios de Comunicação de Massa: uma abordagem educativa

A TV, ainda que tenha uma história mais recente, e com vocação educativa menos explícita, com o passar dos anos, sem que o perseguisse, acabou por ser uma útil ferramenta na educação de nosso imaginário social. As produções seriadas, as novelas, programas de entrevistas ou shows de variedades, conseguiram conquistar a audiência de milhares de brasileiros, e como cultura de massa, acabou por servir como espaço de produção de um conhecimento e de uma leitura sobre o Brasil e seu povo.
Segundo pesquisas (Ortiz, Borelli, Ortiz Ramos, 1989), a TV e sua programação eram vistas como um empreedimento de grande valor pedagógico. Logo no seu início, na década de 50, herdeira de uma estética literária do teatro e do cinema, muitas vezes engajada e comprometida com um ideal de cultura das elites, a TV conta com uma produção forte de teleteatros e com a colaboração de uma série de dramaturgos de renome (21). Ainda pouco comercializável, pois só alcançava um público restrito, tinha espaço para produções de caráter mais experimental (Ortiz, Borelli, Ortiz Ramos, 1989) (22).
No entanto, a partir de 1960, a telenovela, devedora dos folhetins melodramáticos de origem européia e das radionovelas latinas, faz carreira sob o estigma de ter apelo popular e baixa qualidade. É sabido que nos governos militares o Estado autoritário passa a se preocupar com assuntos de cultura, procurando realizar diretrizes que favoreçam o desenvolvimento de uma cultura brasileira, de uma identidade nacional compatível com suas premissas coercitivas. Na ocasião, o ministro da Educação Jarbas Passarinho sublinhava que seria ideal existir entre nós uma cultura que se fundasse na crença da nacionalidade e não uma cultura importada, uma forma de colonialismo cultural. Em protocolo assinado pela Rede Globo e pelas Emissoras Associadas, nos idos de 1975, o documento evidenciava a ação conjunta do Estado e das emissoras para abafar o que Muniz Sodré (1989) qualificou de "estética do grotesco". Protocolo que visava a uma profilaxia cultural, intervindo sobre programas que chocavam o "bom gosto" de camadas mais "educadas" (Ortiz, Borelli, Ortiz Ramos, 1989). Relacionava ainda uma série de proibições como "apresentar em qualquer programa pessoas portadoras de deformações físicas, mentais e morais; quadros, fatos ou pessoas que sirvam para explorar a crendice ou incitar a superstição, bem como falsos médicos, curandeiros ou quaisquer tipos de charlatanismo; comentar de forma sensacionalista, ou depreciativa, problemas, fatos, sucessos de foro íntimo ou da vida particular de qualquer pessoa" (Miceli, 1973) (23).
Nas décadas de 50 e 60, no entanto, e anos seguintes, um conjunto de iniciativas, como o programa infantil Vila Sésamo e as novelas Jerônimo, o Herói do Sertão e Meu Pedacinho de Chão, destacou-se com natureza de utilidade pública (Ortiz, Borelli, Ortiz Ramos, 1989). Mais recentemente, as novelas Rei do Gado, O Clone e Esperança, trabalhando com temáticas polêmicas, entre elas, MST, drogas, inseminação artificial, imigração, sindicalismo, entre outros, reinauguram as disposições educativas da TV em um dos seus gêneros menos prestigiados, a novela.
No que se refere à programação controvertida dos programas de auditório, shows que muitas vezes associam espetáculos de música e dança, games-shows entre celebridades ou público em geral e/ou curiosidades fantásticas, desde seu surgimento, foram criticados como sensacionalistas e grotescos (Sodré, 1985; Bucci, 2002). Desde meados da década de 50 na TV, sofrendo alguns reveses mas sempre voltando à telinha, essa programação recorrentemente é alvo de crítica ainda que campeã de audiência (Mira, s/d). No entanto, tentando compreender esta tão criticada versão do entretenimento, deveríamos buscar um pouco de sua história. É possível considerar que, fugindo do modelo de uma diversão legítima, séria e elevada, a programação popular sempre foi mal interpretada pelos críticos. Não obstante, temos algumas exceções. Mikhail Bakhtin (2003) e Peter Burke (1983), recuperando a história da cultura popular na Europa, como também Renato Ortiz (1992) e Maria Celeste Mira (s/d), recuperando a versão da cultura popular nas manifestações da cultura de massa, no Brasil, salientam que houve uma incompreensão e/ou desconhecimento das elites intelectuais em relação ao lazer dos segmentos populares. Afastando-se do universo e do cotidiano popular e ignorando as matrizes dessa tradição, grande parte das críticas acabou entendendo o grotesco popular como "mau gosto". Ignorando o sentido divulgado por Bakhtin sobre o grotesco, essa forma paródica de interpretar o mundo em sua ambigüidade acaba-se por reduzir e simplificar o gosto popular como baixo, vulgar, enfim, grotesco. Para uns a chamada programação sensacionalista significa falta de cultura, para outros significa exploração da miséria social (Mira, s/d). Como explorarei no próximo item, esquecem que, ao assim classificar a programação, estão construindo barreiras entre duas formas de conceber a cultura. A cultura hegemônica, burguesa e letrada e a cultura popular de massa (24).
Cabe relatar neste item também a evolução dos usos do rádio e do cinema como veículos educativos. Se historicamente surgem no Brasil como um privilégio das elites, tal como os livros e a TV, aos poucos, em função do potencial educativo e de entretenimento, conquistam o público e sucessivos governos, passando a ser vistos como instrumentos de integração cultural e política (Espinheira, 1934; Revista USP, 2002-03). É interessante observar que na década de 20 até os anos 90, desde o Manifesto dos Educadores, com as políticas nacionalistas do período, bem como até hoje, governos e intelectuais debatem os meios de comunicação como estratégicos no projeto de construção de um ideal de Brasil (Franco, 2000; Ortiz, Borelli, Ortiz Ramos, 1989).
Historicamente, é importante lembrar, não obstante, que, no que se refere ao rádio, desde a primeira emissão, em 1924, no Rio de Janeiro, ele já despertava, entre seus incentivadores, sua vocação educativa. A história do rádio e seu talento para universalizar informações e promover uma cultura local parecem se confundir a todo tempo. Com Edgar Roquete-Pinto e seu braço direito na área da Rádio Difusão Educativa, Ariosto Espinheira, até os dias atuais, com uma diversidade grande de propostas educativas, o rádio cumpre sua função de favorecer o acesso de uma população marginalizada do processo escolar. Alguns exemplos recentes expressam essa realidade. Em 1998, o "Programa Sertão Semi-árido", promovido pela Sudene e realizado pela Escola do Futuro (USP), com a proposta de divulgar conhecimentos sobre plantio na região, bem como informações úteis para se evitar doenças comuns na área; "Educomunicação nas Ondas do Rádio", iniciativa do Núcleo de Educação e Comunicação da ECA-USP, com o projeto de integrar a comunidade e a escola a partir da produção e emissão de programas radiofônicos, está em andamento em várias escolas públicas da cidade de São Paulo, e "Sintonia Sesc-Senac", programa de difusão aberta, desde os anos 70, hoje contando com a colaboração de aproximadamente 400 emissoras pelo Brasil, com o objetivo de divulgar conhecimentos gerais e de utilidade pública, entre outras.
Da mesma forma, o cinema, embora constituindo-se de uma mídia de alto custo e portadora de tecnologia moderna, construiu à sua maneira uma interface com a educação. Juntamente com o rádio, o cinema sofreu investimentos com a intenção de modernizar o modelo educativo brasileiro. Com o movimento escolanovista e com o apoio dos governos populistas, o cinema surge como um veículo promotor de cultura e lazer. Com a criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (Ince), em 1937, até seu fechamento em 1966, esse organismo promoveu uma média de 30 filmes realizados por ano, com a duração de 10 minutos. Quase em torno de 1,5 longa-metragem por ano. Com títulos variados, mas sem um eixo pedagógico explícito, o Ince foi mais um instrumento pouco eficiente, entretanto extremamente moderno para a época, que os governos tentaram usar para controlar e impor uma educação desejada (Franco, 2000; Saliba, 2003).
Atualmente, a produção cinematográfica e seu potencial pedagógico ainda são pouco utilizados. Servindo mais como fonte de entretenimento e menos como veículo formador, o cinema, como já foi visto, não se encontra entre os hábitos de lazer de preferência do brasileiro médio. No entanto, pode-se encontrar importantes iniciativas localizadas. A parceria entre a Fundação Abrinq e a Natura desenvolve o Projeto Cinema e Vídeo Brasileiro na Sala de Aula. Com o objetivo de capacitar professores e organizar um acervo, alunos da rede pública poderão aprender a linguagem do vídeo e produzir seus próprios documentários. Paralelo a isso, o Espaço Unibanco de Cinema já há algum tempo vem disponibilizando para grupos de estudantes e seus professores o acesso a obras em cartaz ou que constem do seu arquivo. Já há mais tempo a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), com um acervo variado e voltado muitas vezes para obras de caráter mais pedagógico, oferece a todos os interessados o acesso a um material cinematográfico de qualidade (25).
Embora cultivado e consagrado pelos setores mais escolarizados, o livro é, sem dúvida, um produto da cultura de massa e há muito tempo tenta se popularizar, no Brasil, a partir de políticas públicas da área da educação. É possível observar que o livro didático e paradidático esteve presente, entre nós, desde a década de 20 com o empenho do editor Francisco Alves. Nessa mesma época assistimos a outros investimentos no setor, com a criação da Companhia Editora Nacional. É interessante ressaltar que, na ocasião, livros didáticos dividiam espaço com títulos que prescreviam hábitos de higiene e informações sobre cuidados com o lar e a infância. Preocupados em difundir o hábito da leitura para amplos segmentos da população, inverteram ainda recursos nas coleções Paratodos, Biblioteca das Moças, com 176 títulos, e a coleção Terramarear, alimentando assim um tipo de leitura de entretenimento diversificado para os jovens leitores brasileiros. É preciso lembrar também que na década de 50 verifica-se um aumento de 143% no setor gráfico brasileiro, com um volume de 66 milhões de exemplares, para uma população de 50% de analfabetos. Mais de 25 anos depois, em 1985, o Brasil contava com 400 editoras, responsáveis pela produção de 160 milhões de exemplares, em um país que ainda resistia com quase 29% de analfabetos. Há 10 anos, em 1993, o Brasil produzia 300 milhões de livros (Hallewell, 1985; Mira, 1995).
Em 2002, o volume de vendas chegou a quase 339 milhões e aproximadamente 40 mil títulos. Com 530 editoras ativas e com cerca de cinco mil pontos-de-venda (englobando papelarias, bazares, supermercados, lojas de conveniência), dos quais 1.700 são livrarias na acepção clássica do termo, o brasileiro tem acesso a apenas 1,8 livro por ano (26). Com um mercado mais segmentado, segundo o relatório da Câmara Brasileira do Livro, a produção de livros didáticos, quase 50% da produção nacional, vendeu 161 milhões de livros, com 12.800 títulos. No item obras gerais, a venda chegou a quase 110 milhões de exemplares, com 10.750 títulos. No setor de livros religiosos, a circulação alcançou aproximadamente 30 milhões de unidades, com 5 mil títulos. Por último, o setor de livros científicos, técnicos e profissionais chegou à expressiva venda de 21 milhões de unidades, com 11 mil títulos. Para o argumento deste artigo seria interessante chamar atenção para o crescente volume de livros de característica prescritiva e de auto-ajuda presentes sob a rubrica dos títulos religiosos.
Para nosso estudo seria interessante ainda ressaltar que a busca do leitor fora dos templos tradicionais de venda, as livrarias, tem também sua história no Brasil. A editora paulista LER, na década de 30, e a Editora Martins Fontes, o Clube do Livro e a Editora Saraiva, nos anos 40, foram pioneiros na venda em domicílio de enciclopédias, livros clássicos da literatura brasileira e internacional (Hallewell, 1985; Mira, 1995). Hoje, a herança parece permanecer pois os espaços para compras mantêm-se bastante diversificados. Livrarias, bancas de jornais, farmácias, metrôs e pequenas lojas de conveniência expandem o acesso a este bem de consumo de massa (27).
A titulo de curiosidade, considero importante registrar ainda que a primeira editora brasileira, nos idos de 1862, ostentava títulos de grande apelo popular como: Dicionário de Medicina Doméstica, Sucintos Conselhos às Jovens Mães para o Tratamento Racional de seus Filhos, Coleção Completa de Máximas, Pensamentos e Reflexões (Hallewell, 1985; Mira, 1995). Nesse sentido, o Brasil parece ter uma longa tradição em leituras e entretenimentos que poderiam ser classificados como paradidáticos ou populares. Uma literatura fácil, de alto caráter educativo e comportamental, que parece conquistar mais espaço em nosso público do que o conhecimento e o gosto pela literatura clássica e erudita promovidos pela escola. Um outro exemplo interessante da circulação de livros menos "nobres" no Brasil refere-se à Livraria do Povo. Fundada em 1879, no Rio de Janeiro, comercializava livros usados e era freqüentada por estudantes e escritores desconhecidos (Hallewell, 1985; Mira, 1995). Em seu clássico Cultura Popular na Idade Moderna (1989), Peter Burke vai salientar que a alfabetização crescente vivida na ocasião do Renascimento, na Europa, não tivera as conseqüências que os religiosos supunham. Os camponeses liam livros pequenos de no máximo 30 páginas, almanaques, folhetos de notícias. Leitura simples, vocabulário relativamente pequeno e construções não elaboradas. Nesse sentido, conclui Burke, a imprensa ampliou ao invés de destruir a cultura popular tradicional. Ainda que não se possa fazer uma analogia direta com a realidade atual no Brasil, seria interessante colocar que a expansão de um público leitor cultivado é resultado de séculos de educação. Por ora, o que se tem, e já não é pouco, é expressão de uma significativa demanda de informações e saberes especializados.
Não obstante, para finalizar este item, caberia registrar que o aspecto formador e/ou educativo de um imaginário ficcional das mídias não é prerrogativa da cultura brasileira. Martín-Barbero (1995) salientava, nos anos 80, que a cultura de países como México (cinema), Argentina (rádio), Chile (jornal) e Brasil (música) se constituiu a partir de uma configuração cultural bastante semelhante. Isto é, os meios de comunicação de massa se fazem presentes na nossa história, construindo uma cultura híbrida em que se mesclam referências da cultura erudita, da cultura popular e da cultura de massa. Este amálgama entre as culturas seria então constitutivo nas configurações latino-americanas.

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