Conheça mais sobre celebrações importantes do Brasil e do mundo
A partir da segunda metade do século XIX, vários intelectuais, escritores, jornalistas e políticos discutiam a relação existente entre a utilização da mão de obra escrava e a questão do desenvolvimento nacional. Enquanto as nações europeias se industrializavam e buscavam formas de ampliar a exploração da mão de obra assalariada, o Brasil se afastava desses modelos de civilidade ao preservar a escravidão como prática rotineira.
De fato, mais do que uma questão moral, a escravidão já apresentava vários sinais de decadência nessa época. A proibição do tráfico encareceu o valor de obtenção de uma peça e a utilização da força de trabalho dos imigrantes europeus já começava a ganhar espaço. Com isso, podemos ver que a necessidade de se abandonar o escravismo representava uma ação indispensável para que o Brasil viesse a se integrar ao processo de expansão do capitalismo.
A Inglaterra, mais importante nação industrial dessa época, realizava enormes pressões para que o governo imperial acabasse com a escravidão. Por de trás de um discurso humanista, os britânicos tinham interesse real em promover a expansão do mercado consumidor brasileiro por meio da formação de uma massa de trabalhadores assalariados. Paralelamente, os centros urbanos brasileiros já percebiam que o custo do trabalhador livre era inferior ao do escravo.
Respondendo a esse conjunto de fatores, o governo brasileiro aprova a Lei Eusébio de Queiroz, que, em 1850, estipulou a proibição do tráfico negreiro. Décadas mais tarde, a Lei do Ventre Livre (1871) previa a liberdade para todos os filhos de escravos. Esses primeiros passos rumo à abolição incitaram a criação da Sociedade Brasileira contra a Escravidão e, três anos mais tarde, no estabelecimento da Confederação Abolicionista, em 1883.
Apesar de toda essa efervescência abolicionista manifestada em artigos de jornal, conferências e na organização de fugas, vários membros da elite rural se opunham a tal projeto. Buscando conter a agitação dos abolicionistas, o Império Brasileiro aprovou a Lei Saraiva-Cotegipe ou Lei dos Sexagenários, que previu, no ano de 1885, a libertação de todos os escravos com mais de 65 anos de idade. Na prática, a lei atingia uma ínfima parcela de escravos que detinham um baixo potencial produtivo.
Dando continuidade à agitação abolicionista, vemos que o ano de 1887 foi marcado pela recusa do Exército brasileiro em perseguir escravos e a clara manifestação da Igreja Católica contra tal prática. No ano seguinte, assumindo o trono provisoriamente no lugar do pai, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, no dia 13 de maio. Possuindo apenas dois artigos, a lei previu a libertação dos escravos em território brasileiro e a revogação de qualquer lei que fosse contrária a essa medida.
Apesar de estabelecer um marco no fim da escravidão, a Lei Áurea não promoveu transformações radicais nos cerca de 750 mil escravos libertos em território brasileiro. Sem nenhum amparo governamental, os alforriados se dirigiram para as grandes cidades ou se mantiveram empregados nas suas propriedades de origem. De fato, ao invés de promover a integração do negro à sociedade, a libertação foi seguida pelo aprofundamento da marginalização das camadas populares no Brasil.
Saiba mais:
Fonte: Ministério do trabalho
Trabalho escravo no Brasil moderno
O Estado brasileiro investe em diversas ações para combater o trabalho escravo. A atuação começa com a apuração de denúncias, passa pela fiscalização e punição dos exploradores e garante assistência aos trabalhadores submetidos a condições irregulares de trabalho.
As denúncias que chegam ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) são apuradas e, se há suspeita de exploração, o Grupo de Fiscalização Móvel é acionado para uma inspeção, feita por auditores do trabalho, policiais federais ou rodoviários e procuradores do trabalho.
As denúncias chegam por meio de comissões pastorais da Igreja ou pelas superintendências regionais do trabalho. As suspeitas de irregularidades também podem ser comunicadas à Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), da Secretaria de Direitos Humanos.
Os trabalhadores resgatados são encaminhados para obterem documentos e programas sociais. Eles passam a ter todos os direitos trabalhistas, como pagamentos de verbas rescisórias, horas extras, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e seguro-desemprego.
Quanto aos empregadores, eles respondem a processos administrativo, criminal e trabalhista. Há ainda a possibilidade de prisão, pelo artigo 149 do Código Penal, que trata do crime de submeter alguém a condições análogas a de escravo. Como punição, podem ainda integrar a chamada “Lista Suja”, que relaciona os envolvidos com exploração de trabalho escravo.
Ao entrar no cadastro, perdem o direito a financiamentos públicos e privados. Existe ainda um pacto empresarial com a participação de mais de 200 grandes grupos que não negociam com quem integra a listagem. Na última atualização, em dezembro de 2011, constavam da lista 294 nomes, entre pessoas físicas e jurídicas.
O combate ao trabalho escravo no Brasil começou oficialmente em 1995 com a criação do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) e a instituição do Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Desde 2003, o País conta com o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. Segundo dados da Organização Mundial do Trabalho, 68,4% das metas do plano foram total ou parcialmente atingidas.
Com o processo de avaliação e atualização do documento, foi criado o Segundo Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, em 2008. A primeira versão deu ênfase à estrutura de repressão. O novo plano contempla também os trabalhos de prevenção e reinserção dos trabalhadores, investindo em ações de geração de renda e educação, e na punição econômica dos exploradores.
“O trabalho escravo é um fenômeno urbano e rural”, afirma o coordenador da Conatrae, José Guerra. No interior, o trabalho escravo ocorre com mais frequência em fazendas e usinas. Nos grandes centros, são mais comuns casos de trabalhadores explorados em confecções, principalmente imigrantes.
Em 2010, foram resgatados 2.617 trabalhadores que estavam sendo explorados, de acordo com dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do MTE. O maior número de operações foi realizado no Pará, com a libertação de 559 pessoas. Ao todo, foram 141 inspeções em todo o território nacional, que resultaram no pagamento de indenizações no valor de R$ 8 milhões.
Saiba mais 2-
Fonte: BBC Brasil
O mais completo banco de dados já organizado sobre o tráfico de escravos no mundo confirma que o Brasil e os portugueses tiveram um papel central no comércio negreiro durante séculos.
Organizado por historiadores da Universidade de Emory, em Atlanta, nos Estados Unidos, e de Hull, na Inglaterra, o banco de dados reúne quase 35 mil viagens de navios negreiros realizadas entre 1501, quando há registro da primeira leva de escravos, e 1867, quando o tráfico foi abolido.
Mais de 5,2 mil jornadas de navios brasileiros e portugueses foram mapeadas pela primeira vez. Levando em conta todas as nacionalidades, quase 20 mil viagens que já estavam incluídas na primeira edição ganharam novos dados.
Eltis e Richardson sublinham que os novos dados mostram uma hegemonia de portugueses e brasileiros no comércio de escravos "bem maior do que pensávamos há cinco anos".
Embarcações brasileiras e portuguesas carregaram quase 5,8 milhões de escravos, cerca de 95% deles para o Brasil. Navios britânicos, que o senso comum julga serem os mais ativos no comércio negreiro, levaram cerca de 3,1 milhões.
"Os ingleses, na verdade, não foram os maiores mercadores de escravos, como muitos supõem. Agora, parece que a dominância britânica do tráfico de escravos se resumiu a apenas oito de treze décadas entre 1681 e 1807, entre dois longos períodos de hegemonia brasileira e portuguesa em que a participação britânica foi trivial", escrevem os pesquisadores.
'Chutômetro'
Os novos dados conferem nova dimensão a fatos já conhecidos de historiadores brasileiros, como o de que o comércio de escravos era dominado por agentes baseados no Brasil e não em Portugal – ou seja, na colônia, e não na metrópole.
Estudos conduzidos pelo historiador da UFRJ Manolo Florentino mostraram que três quartos dos mercadores que controlavam o tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro entre 1790 e 1830 eram sediados no Brasil.
Outra informação que o banco de dados contesta é a de que um contingente igual ao dos mais de 10 milhões de escravos que chegaram às Américas morreu na travessia.
O mapeamento indica que 12,5 milhões deixaram a costa africana durante o período da escravatura, ou seja, o número de mortos ficaria em torno de 2,5 milhões.
"Estas estimativas foram feitas em uma época em que se trabalhava com o 'chutômetro'", diz Florentino. "O trabalho de Eltis e Richardson tem o mérito de criar uma padronização, e de aproximar da realidade as estatísticas."
Saiba mais 3-
Fonte: BBC Brasil
Pelo menos 775 mil crianças africanas foram escravizadas e levadas para o Brasil nos primeiros cinqüenta anos do século 19, em um período em que o tráfico negreiro atingiu o ápice de sua sofisticação, indicam dados cruzados a partir de novas informações sobre a era da escravidão.
Crianças foram ganhando a preferência dos traficantes porque, entre outros aspectos, eram mais "maleáveis" que adultos, indicam novas pesquisas publicadas duzentos anos após a lei britânica que proibiu o comércio de escravos.
No fim da era escravagista, um em cada três africanos escravizados era criança, nas estimativas do historiador David Eltis, da Universidade de Emory, em Atlanta, um dos maiores especialistas mundiais no tema.
Segundo Eltis, cerca de 12,5 milhões de escravos deixaram a costa da África entre 1500 e 1867, quando se tem registro do último carregamento. Em torno de 10 milhões chegaram aos seus destinos nas Américas.
Nos cálculos do pesquisador, dos 5,5 milhões de pessoas que tinham como destino o Brasil, apenas 4,9 milhões desembarcaram em portos brasileiros.
'Maleáveis'
Os dados de Eltis indicam que quase 2,3 milhões de escravos foram enviados ao Brasil entre 1800 e 1850 – destes, ele acredita que 775 mil eram crianças.
A alta proporção de menores de 15 anos entre os escravos já era conhecida dos pesquisadores – há estimativas que a colocam em até metade do total –, mas novos dados oferecem novas explicações para este fato.
Um estudo de caso publicado na última edição do Journal of Economic History pelos pesquisadores David Richardson, da Universidade britânica de Hull, e Simon Hogerzeil, do Centro Psicomédico Parnassia holandês, mostrou que crianças reagiam melhor à travessia que os adultos.
Richardson disse à BBC Brasil que, além disso, "no fim da era escrava havia uma percepção geral, por parte dos mercadores, de que as crianças eram mais maleáveis que os adultos, que poderiam ser treinadas em habilidades específicas".
Analisando 49 viagens de navios negreiros holandeses entre 1751 e 1797, os pesquisadores observaram que crianças eram compradas antes, porque reagiam melhor à experiência traumática.
Comparada à de um adulto, sua taxa de mortalidade era a metade, calcularam os pesquisadores. Assim, uma criança tinha mais chance que um adulto de passar longos períodos – até um ano, no caso estudado – dentro de um navio negreiro, entre todas as fases do tráfico.
Antes que o navio zarpasse para a viagem transatlântica propriamente dita, uma criança passava em média quatro meses dentro da embarcação – um prazo mais de 40 dias superior ao passado por homens.
"Em outras palavras, as estratégias de compra dos mercadores expunham crianças a riscos por mais longos períodos de tempo que os adultos", disse Richardson.
Em uma viagem típica, os navios da Middelburgsche Commercie Compagnie, que operava no oeste africano, zarpariam com 253 escravos, perderiam 33 ao longo do trajeto e venderiam 220 nas Américas.
Sobrevivência
As observações dos pesquisadores não eliminam a validade de explicações levantadas anteriormente, que atribuíam a forte escravização de crianças à escassez de adultos em determinadas áreas da África.
Outra razão, levantada em entrevista à BBC Brasil pelo historiador Manolo Florentino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, destaca que senhores brasileiros podem ter sentido necessidade de "importar" mais mulheres e crianças para garantir mão-de-obra futura caso o tráfico negreiro fosse proibido.
Richardson e Hogerzeil destacaram, no entanto, que as condições de aprisionamento dos homens adultos podem estar relacionadas às taxas de mortalidade menores de crianças.
Os homens, comprados aos poucos durante a "fase de carregamento" do navio, entravam em grande quantidade no final da etapa, a menos de um mês ou até a menos de uma semana da partida, verificaram os pesquisadores.
"As condições dos escravos no momento da embarcação é criticamente importante para determinar por que eles sucumbiam mais durante a travessia", diz o estudo.
"Isto pode estar associado a pressões sobre os capitães para levar homens adultos para satisfazer as expectativas dos compradores, o que os encorajava a ser menos rigorosos na seleção."
"Os homens também eram tipicamente vistos como instigadores de rebeliões dentro dos navios, e sofriam mais fatalidades durante esses incidentes."
"Além disso", justificam os pesquisadores, "os homens eram normalmente encarcerados em celas separadas de mulheres e crianças, e normalmente ficavam presos por ferros, sobretudo quando o navio ainda estava próximo da África".